Perguntas que o formador deve fazer quando lhe propõem que ministre uma acção de formação
Publicado em 16 de outubro de 2015
Ana Paula Costa
RH | Formação e Desenvolvimento | Gestão e Retenção do Talento
Perguntas que o formador deve fazer quando lhe propõem que ministre uma acção de formação
Connosco, formadores, normalmente é assim: ligam-nos e perguntam-nos se estamos interessados em dar uma formação sobre um dado tema, se temos disponibilidade para determinadas datas e qual é o nosso valor de honorários.
Porém, se, nos cinco minutos que dura essa conversa, não colocarmos as questões certas (e confesso que, ao cabo de dezoito anos nesta actividade, sempre me esqueço de perguntar uma coisa ou outra), seja qual for o valor que estipulemos, esse poderá revelar-se abaixo do que seria justo:
1) Onde irá realizar-se a acção?
Imaginemos que a entidade formadora assegura o pagamento dos custos de deslocação se tivermos de nos deslocar mais de 50 Km. Não obstante, a distância a percorrer poderá ser de 25, 35, 45, enfim.. E, nesse caso, se não formos nós a tê-lo em conta, mais ninguém o terá.
E se a formação obrigar a uma longa permanência longe de casa, há que ponderar, não apenas as condições do alojamento (distância desse ao local da formação, por ex.), mas também em quanto essa ausência prejudicará a nossa rotina pessoal e familiar (compromissos a que deixaremos de poder atender, sobrecarga de terceiros, dias em que não rentabilizaremos o ginásio que continuamos a pagar, etc.). Importará também saber se as despesas de alimentação estão contempladas.
2) Em que horários decorrerá a acção?
Ainda que decorra apenas de manhã, ou de tarde, poderá impossibilitar-nos de agendar outros compromissos para esse dia. Se for à noite, exigirá que regressemos já tarde a casa, muitas vezes não permitindo que descansemos o suficiente para o dia seguinte. Tudo isto conta. Há que olhar para a agenda e fazer contas à vida: conseguiremos cumpri-la de uma forma suficientemente harmoniosa, ou iremos passar dias a fio num sufoco?
Mais: uma acção de 14/15 horas em horário laboral corrido, requererá que nos desloquemos apenas duas vezes ao local; já se forem sessões de três horas, obriga-nos a lá ir cinco vezes; i.e., estende-se por mais dias de calendário, poderá invalidar outras oportunidades; implica maior desperdício de tempo em idas e regressos e, claro, mais despesas de deslocação.
Por fim, numa formação em pós-laboral, por princípio os formandos chegarão à formação já cansados de um dia inteiro de trabalho, exigindo-nos um maior poder motivacional.
3) Quem é o cliente / quem são os destinatários?
Todos temos o direito a ter preferências. Em virtude da nossa experiência e das nossas características pessoais, podemos sentir-nos mais confortáveis a ministrar formação para quadros médios e superiores de grandes empresas ou para indiferenciados, desempregados, estudantes, o que seja. Os nossos conteúdos podem ser mais adaptados à área da indústria ou à dos serviços. O nosso discurso pode ser mais eficaz com determinados tipos de perfil. Podemos ser objectores de consciência em relação a algumas áreas de negócio ou modus operandi organizacional. No limite, poderemos ter tido uma má experiência naquela empresa. Há, ainda, organizações, cujos níveis de exigência e qualidade são excelentes e às quais vale, especialmente, darmos a conhecer o nosso trabalho e crescer com o seu exemplo.
Sobretudo, importa perceber quanto “trabalho de casa” determinado projecto nos exigirá (a fim de nos adaptarmos ao máximo às necessidades dos envolvidos), se teremos tempo para nos dedicar a ele e se esse esforço nos compensa.
4) O que mais nos será pedido?
Por vezes as entidades formadoras abordam-nos já com um plano de conteúdos desenhado. É opção de todo o formador aceitar tais condições, e pode até parecer mais fácil que assim seja. Não para mim, que preciso saber, ao detalhe, quais os requisitos do cliente, de que competências necessitam os participantes, se eles próprios reconhecem tais carências (ou se se trata de mais uma formação para fazer número), quais as suas áreas funcionais, que outras formações tiveram já, etc. Se necessário (e possível), desenvolvo um questionário de diagnóstico, por forma a melhor (re)desenhar a acção à medida. Tudo isto, a par com as reuniões que eventualmente irão ser pedidas, também pesa nas contas.
Mas o que acontece muitas vezes é que, só depois de fechado o negócio, a entidade formadora começa a exigir-nos uma série de materiais, quando não mesmo um manual feito de raiz, tudo isto de acordo com uma miríade de exigências (em modelos próprios, por exemplo) e com prazos apertadíssimos, ligando-nos diariamente, enviando-nos e-mails em catadupa, e acabando de vez com a mínima paz de que precisamos para dar resposta às formações que já temos a decorrer. Não que isto não faça parte das nossas atribuições, mas deverá ser discutido previamente, e todo esse investimento contabilizado por nós aquando da proposta de preço.
E as avaliações que teremos de fazer no final da acção: são relativamente simples, ou esperam-nos extensos relatórios individuais e/ou um manancial de grelhas cheias de cálculos e gráficos particularmente consumidores de tempo?
Em contexto corporativo (formação para empresas), incluo sempre (a menos que o cliente não queira, mas geralmente quer, e muito) um relatório final da ação. Não considero um valor para isso nas minhas propostas, mas o valor final das propostas já têm isso em conta.
5) Qual o prazo de pagamento?
Já vi de tudo. Poucos dias após o fecho da acção, a cada dia X, a 30 dias, a 60, 90, 120, 240(!).
Cada um sabe de si, mas pode não ser muito motivador ter de aguardar quase o tempo de uma gestação para receber uns trocos (para além de que tamanha dilação não é, de si, um bom princípio). Há que ponderar se estaremos em condições de suportar todas as despesas inerentes ao projecto, sabendo que tão depressa não iremos ser recompensados.
E, claro, há que distinguir entre empresas cumpridoras e más pagadoras.
Por fim, talvez menos importante, mas, creio, não totalmente despiciendo:
6) Qual a restante equipa pedagógica?
Em acções de formação compostas por vários módulos, por vezes os formandos chegam-nos ‘às mãos’ tendo já adquirido algumas bases com outros formadores. Pessoalmente, sou uma sortuda, pois tem-me calhado partilhar projectos pedagógicos com excelentes profissionais, o que torna tudo muito mais fácil. Mas sabemos que nem sempre tal acontece, e que ainda grassam por aí alguns mercenários da formação, que aportam muito pouco (quando não o fazem mal) aos participantes, exigindo de nós o dobro do esforço e um desgaste emocional fora de série. Uma vez que este mercado até não é tão lato quanto isso — e que quase toda a gente se conhece e reencontra -, não custa tentar perceber quais vão ser os nossos parceiros nesta tão importante e grata missão. E decidir, então, se estamos para aí virados (tenho por posicionamento ético que o devemos aos formandos), ou se continuaremos a optar por equipas sólidas, cooperativas e eficazes. Seja como for, uma e outra situação são muito diferentes; e se sentimos que o nosso papel vai ser o de “salvador da pátria”, pois que nos façamos pagar por isso. Claro que não o iremos dizer; apenas considerar.
Certamente que me estarei a esquecer de qualquer coisa, mas os meus colegas formador@s farão o favor de me ajudar a completar esta lista.
Saudações pedagógicas!
Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/perguntas-que-o-formador-deve-fazer-quando-lhe-prop%C3%B5em-costa/