A escola passava de ano?

A escola passava de ano?
Publicado em 16 de novembro de 2019, por João Leite

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De repente, entra na discussão geral a questão das reprovações. Ou, para os mais puristas, as retenções. Como se se tratasse de mais uma " modernice " ou mais uns salpicos da onda de facilitismo que parece tudo inundar, no que diz respeito à educação. Sobretudo quando, a este propósito, a mensagem que vai ganhando destaque, como que a empurrar para uma posição a priori, vá anunciando que... " agora é que vai ser bonito..., tudo a passar de ano sem saber nada... ".

A escola sempre se sentiu mais confortável na papel de capataz do que no de tornar capaz ! E até já exerceu esse papel com tal afinco que se encarregava de decretar, sem direito a questionamento de quem quer que fosse..., perante o respetivo progenitor ou encarregado de educação, que determinado aluno não tinha " cabeça para a escola " e que, o melhor para ele seria... ir trabalhar ! E nesses tempos, como depois, perante tal veredito, inapelável e de efeitos ainda por calcular, não se ouviu nenhuma posição ou manifestação de incómodo !

Vivemos, hoje, tempos sacudidos por ventos que acenam valores da inclusão, das oportunidades, mesmo sem a designação de novas..., e da diversidade. Valores que a escola defende e até incorpora através de práticas com relativa visibilidade. Como fundamentar as retenções, os chumbos, as reprovações num quadro de desenvolvimento das pessoas que atraímos e queremos trabalhar ? E por que razão será que a retenção é um sinal que recai exclusivamente no aluno, dispensado da designação e da análise, os restantes atores que, durante o ano, intervieram no processo ? Se a escola deu tudo, se o programa foi despejado..., poderá a escola sentir-se confortável na determinação de que... " ele é que não aprendeu ? ". Se um comercial de uma empresa dissesse que vendeu tudo, o mercado é que não comprou..., a empresa eliminaria o mercado ? Ou iria chumbá-lo ?

E se as escolas abandonassem a designação de estabelecimentos de ensino e adotassem a de estabelecimentos de aprendizagem ?..., retirando da sua área de negócio a questão das notas e das disciplinas estanques e se centrassem na construção conjunta de caminhos e monitorização das diferentes caminhadas que os alunos encetassem para uma vida que escolhessem viver e, não mais, a vida que queremos que eles vivam ? E se, centradas na construção de caminhadas, se preocupassem em exercitar as condições para que, cada um, as possa encarar e fazer em registo de competência, confiança e autonomia ?

O desenvolvimento é uma caminhada. Sem retenções. Faz-se de movimento, não necessariamente de acordo com uma rota previamente prescrita mas, nem por isso, menos interessante ou consistente. E, acima de tudo, não prescinde, não se afasta nem se dissocia do sujeito do processo: a pessoa que caminha ! Não será chegado o momento para que a escola se assuma como um centro de desenvolvimento de pessoas em trânsito, proporcionando aprendizagens que as ajudem a fazer as caminhadas que vão escolhendo e não um centro de triagem e exclusão, centrado na deteção daqueles que não encaixam no que temos para eles ? Lançando mão da metáfora da caminhada, não seria mais adequado que a escola se centrasse naquilo a que o aluno chega..., do ponto do percurso que atinge e validasse a caminhada feita e as paisagens a que, cada um, vai tendo acesso, domina e incorpora ? A escola de hoje, fosse ela avaliada com objetividade em termos dos desígnios que lhe conferiram identidade, passaria de ano ?