Apresentamos um excerto de uma entrevista de Rita Messias, gestora de formação da Consultua, no Jornal Vida Económica:
De quer forma tem sido possível desenvolver a atividade no cenário de incerteza que representa o financiamento público?
Sempre foi nossa estratégia não depender exclusivamente dos financiamentos públicos, pelo que os primeiros cursos desenvolvidos pela Consultua, foram pagos pelos participantes e essa componente não financiada, tem-nos acompanhado sempre ao longo destes 18 anos, intensificando mais ou menos esta vertente, conforme os programas de financiamento existentes.
Claro que, apesar do excesso de burocracia que os projetos financiados acarretam, sempre que há a possibilidade de nos candidatarmos a estes programas financiados fazemo-lo. Pois, também considero que é uma forma de promover mais igualdade de oportunidades, em termos de participação em ações de formação por parte do publico em geral e uma forma de diminuir o custo para as empresas, face à sua obrigatoriedade de fazer formação aos seus colaboradores.
Ao longo de todos os quadros comunitários, sempre fizemos candidaturas para a realização de formação financiada. A transição entre quadros comunitários sempre foi mais difícil e havia sempre uma maior necessidade de nos reinventar e fazermos coisas novas para superarmos os momentos de maior ausência de financiamento público. Nestes momentos, a inovação é a principal arma para nos mantermos no mercado de forma competitiva. Ao longo de todos estes anos, a nossa estratégia nunca passou por despedirmos colaboradores, mas sim, por inovarmos e passarmos a fazer coisas diferentes. A inovação e o trabalho de equipa, são dois dos princípios que orientam a nossa ação e têm-se revelado muito pertinentes nestes períodos de maior dificuldade.
No meu caso concreto, já tenho experiência em 4 quadros comunitários de apoio, na ótica do desenvolvimento de projetos de formação financiados. Contudo, nunca vi nada semelhante ao funcionamento deste novo quadro no âmbito do Portugal 2020. Para além do considerável atraso no arranque das candidaturas, que entre março e novembro de 2015, o plano de avisos com as datas de candidatura foi alterado 6 vezes, sem nunca se concretizarem as candidaturas.
No primeiro plano de avisos das candidaturas, que saiu em março de 2015, estavam previstas iniciarem em maio de 2015. No entanto, não abriram na data prevista e, desde aí, os adiamentos dos prazos de candidatura às medidas relacionadas com a formação profissional, foram sucessivos.
Os formulários de candidatura no Balcão 2020 apenas ficaram disponíveis em julho de 2016. Ou seja, passou mais de um ano, desde que foi apresentado o primeiro prazo.
Pior do que não haver qualquer informação, sobre quando vão decorrer as candidaturas à formação, é saírem avisos com uma determinada data e esta data não ser cumprida e ser sistematicamente alterada, passando, entretanto, mais de um ano.
Neste contexto de sucessivos adiamentos, as entidades formadoras, tiveram muita dificuldade em planificar trabalho e gerir os recursos, bem como assegurar os respetivos custos de estrutura. Foi um dos períodos mais dramáticos que já vivemos. Muitas entidades fecharam, outras tiveram que despedir pessoal. Supostamente, já haveria dinheiro disponível para estes programas estarem em funcionamento, contudo as plataformas não funcionavam. Houve aqui nitidamente uma má planificação e gestão de recursos, com consequências muito negativas para toda a sociedade. Para além das falências e despedimentos em diversas entidades, há também a falta de oportunidades a que as pessoas tinham direito para se qualificar e melhorar as suas competências. Tudo isso foi posto em causa. Neste período, havia diversas ações de formações obrigatórias, nomeadamente na área agrícola e que acabaram por ser as pessoas a suportar os seus custos, o que mais dificultou a sua vida, face às dificuldades que o país atravessou, principalmente no setor agrícola, em que os custos de produção são cada vez mais elevados e os preços dos produtos sem grandes aumentos.
No caso concreto da entidade que represento, nessa altura tinha que gerir o trabalho de 26 pessoas que tinha a colaborar comigo, pagar-lhes o salários e respetivos impostos, foi a fase mais difícil porque passámos. Todavia, sempre cumprimos com o pagamento mensal dos salários aos trabalhadores, bem como os respetivos impostos, nunca tivemos salários em atraso. Apesar das incertezas, que ao longo dos últimos anos temos vivido, sempre fiz questão de manter os técnicos que comigo trabalham, aproveitando o capital de conhecimento adquirido, de tantos anos de experiência, que tão bons são naquilo que fazem e porque também queria poder continuar a servir as pessoas com a mesma qualidade que até aqui. Por isso, não poupámos esforços para conseguir, felizmente esta etapa foi ultrapassada.
Na realidade, desde 2013/2014 a 2017, que as entidades formadoras se deparam com ausência de projetos financiados.
Só em março/abril de 2017, houve noticias de projetos aprovados.
Não obstante, os projetos de formação terem sido alguns aprovados, e haver ações a decorrer desde abril de 2017, ainda só foram pagos os adiantamentos, não se verificou até ao momento, o reembolso de qualquer despesa, mais uma vez por dificuldade de funcionamento das plataformas. Sobre o funcionamento das plataformas, é de realçar o caso do projeto dos CQEP, agora Centros Qualifica que, embora tivesse sido a primeira candidatura a funcionar, entrando em funcionamento de outubro de 2015, mas que até ao momento, não foi possível fazer os pedidos de reembolso nem respetivo saldo, tratando-se de um projeto que já terminou em dezembro de 2016. Houve, no entanto, o cuidado, de fazerem adiantamentos superiores, para compensar a falha no funcionamento destas plataformas. Contudo, ainda há 35% das verbas que já foram pagas na totalidade, mas que ainda não foi possível reembolsá-las, tendo decorrido mais de um ano do seu termo.
Como é que a Consultua sobreviveu, com um elevado numero de colaboradores, tendo em conta a situação, sem salários em atraso?
Conforme já referi, foram momentos muito difíceis, mas tal como diz Einstein, “no meio da dificuldade, vive a oportunidade” e dentro dos nossos princípios de funcionamento, foi neste período que procurámos a internacionalização, que melhorámos e substituímos os sistemas de informação, que desenvolvemos a plataforma de formação à distância e que nos expandimos a todo o território nacional, tendo gerado capacidade de manter os postos de trabalho.
O facto de ter muitos colaboradores, face à situação em causa, acabou por se tornar uma oportunidade. Todos eles tinham perfeita consciência das dificuldades que estávamos a atravessar, contudo, não deixamos que ficassem desanimados, mas antes ativassem o seu poder criativo para encontrar soluções. Todos eles, sem exceção, estiveram ao nosso lado, apoiando e apontando caminhos e novas ideias, que fomos implementando e gerando cada vez mais atividades.
O apoio que sentimos foi tão grande e tão firme por parte de toda a equipa, sendo que alguns nos referiam que não se importariam de ficar com salários em atrasos. Contudo, felizmente, os salários foram sempre assegurados.
Pior do que não haver financiamentos é, os projetos serem aprovados, entrarem em funcionamento, haver despesas que é necessário pagar, ter toda a equipa dedicada e estes projetos, sem poderem fazer outras atividades que gerem alguma margem, e os programas não funcionarem, não haver cumprimentos de prazos, por parte dos programas operacionais. Nestes casos, não há inovação, nem trabalho de equipa que resultem, é uma situação dramática, que eu muito gostaria de ver os nossos governantes preocupados com estas situações.
Claro que nestas situações, para cumprirmos os nossos compromissos e respeitarmos o trabalho dos outros, pagando-lhes atempadamente, de forma a manterem uma vida digna, temos que recorrer ao crédito bancário. Nestes casos, os bancos são grandes aliados. Contudo, o recurso ao crédito tem custos, custos estes que não são elegíveis nos financiamentos. Para além disse, os créditos também são limitados, o que dificulta a nossa ação.
Só mesmo quem está nesta atividade com um grande espirito de missão, consegue manter-se.
Eu tenho um grande sonho para Portugal, que é ver um dia o estado a cumprir prazos. Gostaria muito de viver num país em que o estado cumprisse prazos, e quando não conseguisse cumprir que indemnizasse devidamente os lesados. Que tratasse com respeito e dignidade todos os que se esforçam no dia a dia para fazer coisas por este país.
A minha esperança é que um dia haja uma maior preocupação com este setor de atividade que é um pilar estratégico para Portugal.