João Leite
A vasta oferta formativa destinada a formadores, apresentado-se tal designação como se de uma profissão se tratasse... e com uma firmeza que visa, numa sacudidela, afastar qualquer questão sobre o que está em causa e do que se está, em essência, a falar..., é uma realidade, assim como a onda de procura que vai no seu encalço, funcionando já como degrau incontornável, apetecível ou não, mas cada vez mais sentido como obrigatório no percurso de qualquer um, até para não surgir como falha no currículo. O pressuposto é simples..., ou tens o CCP ou não entras nas contas..., mesmo que falemos de contas que nem serão, necessariamente..., alguma vez..., levadas em conta.
Os diversos programas existentes, servidos de bandeja a quem os busca avidamente como quem busca a vacina que falta para apresentar, quando vier a ser solicitado, o boletim de vacinas em dia, são de uma consistência e regularidade impressionáveis, tal como acontece com as vacinas, ou seja, a mesma composição, a mesma dose, a mesma forma de administração..., independentemente do local, administrador ou vítima, melhor seria dizer, recetor. Com a padronização do formato, em segmentos, número de horas, sequência das unidades, conteúdos e até avaliações, podem os detratores descansar pois está garantida a uniformidade do produto. E será isto um defeito ? De todo.
Como a qualquer produto pronto a ser consumido e, sobretudo, apetecível, há uma questão central que, independentemente da qualidade da embalagem, das especificações, da atração que exerce e da procura que mobiliza, importa levantar: para que serve ? E é aqui que reside o cerne da questão, desculpada a ousadia pelo levantamento de tão desconfortável questão perante tão reconhecido e indiscutível produto. E são de dois tipos as dúvidas que gostaria de partilhar. Uma prende-se com o modelo em que assenta, outra com a orientação do processo.
Se entramos numa loja de roupas para comprar umas calças e nos indicam a secção infantil, por que razão não seguimos ordeiramente a indicação ? E se vamos a um hospital, com um problema de saúde e nos enviam para pediatria, porque não seguimos, pacatamente, a indicação ? Como explicar que quando queremos ser formados para formar..., sendo que os destinatários que vamos ter pela frente serão, na esmagadora maioria, adultos... acatamos, ordeiramente, o modelo pedagógico ? E, sem pestanejar, compramos as técnicas e métodos pedagógicos ficando, na hipótese otimista, prontos a utilizá-los... com adultos ! Tal como poderemos comprar toda a nova coleção de calças para criança, na referida secção infantil para onde nos encaminharam..., embora nos sirvam, apenas, para mostrar com o que ficamos e, jamais, usaremos.
A outra questão prende-se coma ênfase colocada em tais programas e que decorre do modelo adotado. Insiste-se no ensino, na transmissão de informação, na lógica do despejo, agora suavizado, ou disfarçado de tecnologias , como se espancando barbaramente alguém à martelada, contando com uma banda sonora de fundo, um intrincado jogo de luzes e com declamações de poesia erudita... a vítima deixasse de sentir as marteladas ! A aposta é na difusão, no deslumbramento, nos conteúdos, no que " vamos dar "..., para usar uma expressão particularmente querida e não menos vulgarizada. Como se, dando..., empanturrando de conceitos, definições e informação... alguma vez fossemos desembocar na aprendizagem de quem nos surge pela frente.
Estas preocupações, não sendo simpáticas, são legítimas.E se necessidade houvesse de lhes dar algum crédito suscetível de alavancar uma reflexão com o intuito de gerar respostas atualizadas, bastaria consultar todos aqueles que se têm sentido impelidos ou se obrigam a fazer tais formações... até para poderem mostrar o boletim de vacinas em dia.
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